Quais são os elementos e qualidades que fazem de um determinado espaço um lugar capaz de promover o nosso bem estar físico e mental? Como podemos projetar espaços saudáveis para o nosso corpo e para a nossa mente? O que faz de um espaço agradável de se viver e sustentável ao mesmo tempo?
Essas são algumas das questões que não podemos esquecer de considerar quando projetamos nossos espaços e edifícios em uma era onde a indústria da construção civil parece subjugada às regras impostas pelo mercado imobiliário. O que nos leva a construir edifícios cada dia mais altos e centros urbanos sempre mais densos? Como os espaços que habitamos diariamente nos fazem sentir física e mentalmente? Estamos felizes e tranquilos quando estamos em casa ou no trabalho? Se não, quais seriam as estratégias possíveis que nos levariam a projetar edifícios e ambientes capazes de nos trazer equilíbrio e paz de espírito? Neste artigo, procuramos desvendar as diferentes características que fazem de um espaço um lugar de bem-estar e serenidade.
Revisitando Cerimoniais Tradicionais
Historicamente, bibliotecas desempenham um papel fundamental em nossas vidas, espaços para a difusão do conhecimento e da cultura de uma sociedade.
Em novembro de 2020, o Wutopia Lab inaugurou o Satori Harbor, um edifício de biblioteca implantado dentro da nova sede da VIPshop, na cidade de Guangzhou, China. O nome “Satori” foi inspirado por um conceito cunhado pelo antigo filósofo taoísta Mestre Zhuang, o qual descreve o estado de espírito transcendental na prática do Taoísmo, quando a luz da manhã brilha sobre a superfície da Terra.
Os arquitetos do Wutopia Lab conceberam tal biblioteca como uma paisagem abstrata de nossa realidade—como uma pequena cidade portuária em meio ao nada. O projeto da biblioteca, deste modo, define uma espécie de roteiro ou percurso ao longo do qual os leitores são conduzidos em uma espécie de jornada espiritual por entre as estantes de livros. A biblioteca portuária de Satori, portanto, se transforma em um lugar para celebrar a vida, a cultura e o conhecimento.
Apropriando-se de uma estratégia clássica formal da arquitetura, os arquitetos desenharam uma espécie de túnel escuro o qual os leitores precisam atravessar antes de chegar à iluminada “cidade portuária” de Satori. Assumindo um percurso sinuoso, o túnel é um convite à reflexão. Ao final do trajeto, eles são recebidos sob uma grande cúpula, onde o som das ondas do mar reverbera calmamente, como se eles estivessem passeando ao longo da orla, junto ao porto desta cidade-biblioteca.
Além de acolher espaços de leitura e meditação, o edifício da biblioteca incorpora ainda uma tradicional sala de chá, um lugar cerimonial onde é possível sentar-se e relaxar, com uma taça quente de chá em mãos para recobrar um pouco da paz que foi perdida ao longo deste ano pandêmico.
A Sala de Chá Pushe, projetado pelos arquitetos do Jiejie Studio, é um projeto construído no interior de um edifício comercial no centro de Pequim. Utilizando elementos abstratos que se repetem continuamente, cria-se a ilusão de estarmos em meio a uma sinuosa paisagem de montanha em meio à floresta, desta forma, os visitantes podem experimentar um espaço que se revela à medida que nos deslocamos por seu interior. Desta forma, o projeto da Sala de Chá Pushe procura despertar a curiosidade dos amantes da cultura do chá, enriquecendo, portanto, a experiência do próprio ritual.
Voltando à natureza
Recentemente, cansadas da correria da vida na cidade grande, muitas as pessoas têm decidido se mudar para lugares remotos e em contato direto com a natureza. Neste contexto, arquitetos e arquitetas têm se dedicado cada vez mais a desenvolver projetos que procuram um equilíbrio entre estes dois extremos.
Ziyu Zhuang, arquiteto fundador da RSAA / Büro Ziyu Zhuang, está sempre buscando desenvolver estratégias que possam permitir esta fusão entre arquitetura e paisagem, entre modernidade e tradição. Em seu projeto para o Tongling Recluse, ele buscou incorporar a natureza a uma remota vila abandonada no norte da província de Anhui, na China.
Buscando atender os desejos de seu cliente, o projeto da Tongling Recluse trata de adaptar e moldar a arquitetura à presença de uma árvore centenária, a mais antiga de todo o vilarejo. Nosso cliente no disse: “É uma árvore linda. Ela deve fazer parte da nossa casa.” Pensando nisso, o arquiteto decidiu projetar os espaços do edifício a partir de alguns elementos principais; um pátio central desde onde é possível admirar as estrelas ao cair da noite, com um espelho d'água retangular que extravasa nas quatro direções, e uma ampliação lateral que multiplica o telhado original da casa de duas águas, a qual é diferenciada do edifício pré-existe pelo uso de uma paleta de materiais completamente diferente.
O projeto também procura estabelecer um diálogo entre o espaço interior e exterior. A cobertura em duas águas e um espaço aerodinâmico que se desloca para fora da casa, afastando-se dela ao mesmo tempo que adiciona espaço a ela. Para tal abordagem o arquiteto procurou inspiração em elementos da cultura chinesa, “o Dao (ou Caminho) produz um novo mundo, um mundo que se divide em dois (Yin-Yang)”. A cobertura foi reformada e recoberta com telhas cerâmicas na cor cinza, assumindo uma forma única, como um pássaro em pleno vôo, que aponta em direção ao centro da antiga aldeia. Transparência e abertura fazem com que o espaço interior flua naturalmente para fora, integrando pela primeira vez sobre uma mesma cobertura estes dois âmbitos.
Em projeto realizado no ano de 2017 e chamado de Beijing ‘Tsuo’, a Wonder Architects desenvolveu uma abordagem um pouco diferente para oferecer uma alternativa à intensidade da vida na cidade. Nesta oportunidade, a equipe de arquitetos da Wonder buscou criar um espaço um tanto fantástico, criando uma espécie de pequeno país das maravilhas. Assim como nossos ancestrais buscaram fazer no passado, os arquitetos da Wonder desenvolvem seus projetos como uma busca constante por significado para a vida e, consequentemente, para a arquitetura.
Em um terreno de dimensões bastante limitadas em pleno centro da capital, os arquitetos se esforçaram para criar soluções inteligentes e criativas capazes de fundir a tumultuada paisagem urbana de Pequim com a tranquilidade do espaço doméstico, criando uma sobreposição deliberada e pouco convencional entre espaços interiores e exteriores.
Durante o processo de reforma da estrutura existente, os arquitetos procuraram preservar as camadas históricas que foram sendo sobrepostas ao longo da vida útil do edifício. Desde elementos criados por uma primeira e grosseira reconstrução, todas as intervenções posteriores foram mantidas de alguma forma, marcas que operam como uma testemunha de tempos passados, delicadamente incorporadas na nova estrutura.
Incorporando luz e paisagem
Além de revisitar a arquitetura dos espaços cerimoniais tradicionais e buscar um retorno à natureza através da arquitetura, outra importante estratégia explorada por arquitetos e arquitetas na China para favorecer uma experiência sensorial do espaço é a incorporação da luz e da paisagem natural como elementos formais e compositivos da própria arquitetura. Como um tema recorrente na arquitetura vernacular chinesa, a fusão entre o espaço construído e natural se dá, muitas vezes, através da “incorporação da paisagem como um pano de fundo que compõe a arquitetura do espaço.”
Concebido pelos arquitetos e designers do Fujian Yanlin Building Decoration, o Resee é um apartamento-estúdio criado para um escultor, o qual foi construído dentro de um edifício comercial em um novo distrito de inovação e tecnologia da cidade chinesa de Fuzhou. Projetado para cumprir uma série de demandas e solicitações do cliente, o apartamento conta com um espaço de trabalho, uma recepção e até uma sala de reuniões. Além disso, o projeto incorpora um jardim paisagístico oriental, elemento responsável por trazer um ar de domesticidade a um escritório que pretende ser também um apartamento.
Desta forma, os jardins interiores foram utilizados como instrumentos para captar e incorporar a luz e a paisagem aos espaços interiores do apartamento-estúdio de Fuzhou. O espaço de meditação, por outro lado, é fechado em si como um convite à reflexão e introspecção—estados de espírito fundamentais para o processo criativo do artista. A luz etérea que reverbera através da concretude da arquitetura revela um espaço de beleza ímpar, permitindo que ele se transforme ao longo do dia e do ano, variando de acordo com as condições de iluminação.
O design de iluminação é uma ferramenta fundamental utilizada por arquitetos e arquitetas para enriquecer a experiência do espaço, proporcionando uma sensação de tranquilidade e bem-estar aos usuários.
No projeto desenvolvido pelo escritório Roarc Renew para a TaiOursea Laomendong SPA Shop, tijolos vermelhos foram utilizados para ressaltar a presença física do espaço construído, criando um jogo de luzes e sombras que a todo momento enriquecem a experiência sensorial do espaço. A introspecção e a meditação são elementos fundamentais da cultura tradicional chinesa, e a arquitetura é responsável por criar espaços que permitam as pessoas se conectarem consigo mesmas.
O “sentido de lugar” é um valor intrínseco à arquitetura, uma espécie de conexão divina entre os usuários e a materialidade do espaço. Ao cair da noite, milhares de pequenas lâmpadas se ascendem no TaiOursea Laomendong SPA Shop. Como velas acesas em uma gruta escura, a iluminação artificial do edifício realça a profundidade do céu, trazendo-o para dentro do espaço como um elemento formal do próprio edifício. Para os arquitetos da Roarc Renew, estas milhares de lâmpadas, quando acessas em uníssono, são capazes de tocar o coração e despertar uma profunda sensação de paz nos usuários.
A materialidade artesanal do espaço construído, refletida em cada elemento construídos manualmente um a um, é o que garantirá a durabilidade destas milhares de caixas de luz. As caixas de luz, simétrica e ortogonalmente dispostas ao longo das paredes de tijolos, realçam ainda mais a beleza concreta de sua arquitetura.
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